quarta-feira, 23 de julho de 2008

Era um daqueles velhinhos que às vezes vemos passar. Que outras nos barram o caminho, só por caminharem, porque o passeio não contava que ele aparecesse ali. Fiquei a olhar para ele. Na calma dele, ao caminhar, havia tanta impaciência como revolta ou dor - Nada, não era disso que se tratava. Caminhava devagar porque, simplesmente, era assim que caminhava – se não fosse assim… - bem, não caminharia de todo. A cada passo seu apertava-se-me o coração. Desesperei enquanto atravessava a rua, pensei que a qualquer momento o sinal abria e um condutor desavisado dos velhinhos se deixava atropelá-lo. Não abriu. Deve ser o semáforo mais lento de Lisboa. Acho que também é o único onde aquele senhor consegue atravessar a rua. Quando chegou à beira da estrada, juro que admirei o senhor. Parou frente ao passeio, um daqueles passeios baixinhos, sabes? Minto, não é dos baixinhos, é daqueles das zonas muito antigas, muito caminhadas das cidades muito antigas. Que foi abatendo, abatendo, sob os pés dos passantes, até já não ter lancil. Daqueles que subimos de carro sem abrandar e olhamos para trás para ter certeza que já estamos em cima do passeio. Bem, ele parou em frente ao lancil como quem estaca depois de uma caminhada e avalia uma serra que vai subir nas próximas dez horas da viagem. Depois, com uma calma que montanhista nenhum tem a enfrentar um obstáculo daquele calibre, ergueu o pé esquerdo. O pé esquerdo bateu no topo do tal inexistente lancil. Bateu mesmo, ali no lancil que não existia. Ele pousou o pé, reergeu-o, sem uma careta de esforço que não a que trazia desde que o vira dobrar a esquina, vinte minutos atrás, cinquenta metros antes, e momentos depois, num movimento irreal, estava em cima do passeio. Descansou por um momento com olhar cravado no chão. O mesmo olhar, cravado no chão, uns metros à sua frente, que trazia desde que eu o conhecera, há umas linhas atrás. Era o olhar de alguém para quem o corpo não estava, o olhar que o defendia da indiferença que passava ao seu lado, apitava, acelerava, bebia café ou tirava fotografias aos eléctricos. Uma cidade de indiferença à sua volta, e para onde iria o senhor? Dez minutos, poucos metros à frente, seiscentos passos e dois jovens desequilibrados na sua corrida depois, sei.
Uma porta abre-se, uma criança de seis anos dispara e salta-lhe aos braços, Avô! E de repente, ele é robusto que baste para suportar o peso de todo aquele amor. Que homem incrível, que corpo, que força. Incrível.

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